Os primeiros Estatutos do Sporting

22 de Agosto de 1907. Nesse dia o governador civil de Lisboa “despachou” finalmente a aprovação dos primeiros Estatutos do Sporting. Para tal o Sporting pagou 10$250 acrescidos de 17$686 de “direitos de mercê” e 18$071 de “emolumentos e adicionais da aprovação”.

O texto foi assinado pelo visconde de Alvalade, António Ferreira Roquette, José Alfredo Holtreman Roquette (Alvalade), Frederico Ferreira, E. F. Mendonça, Fernando Barbosa, Nuno do Rego Botelho, José Cordeiro Ferreira Roquette, Sérgio Rolin Geraldes Barba, António Augusto Seguro, Henrique d’Almeida Serte Júnior, José Seguro Borges de Castro, Joaquim Avelino Martins, José Avelino Martins Júnior, José Stromp, Carlos Shirley e Guilherme de Lima O´Connor Shirley.

Curiosamente, salvo ligeiras alterações de pormenor (e mudança de equipamentos) estes estatutos mantiveram-se no espírito e no corpo até 1947. O documento foi elaborado por José Alvalade e não disfarçava um espírito elitista e aristocrático.

Mais de 1 ano antes, a 14 de Abril de 1906, na mansão dos Alvalade, se instalou uma secretaria, onde se iniciaram os trabalhos de lançamento. A 8 de Maio, em Assembleia Geral, foi eleita a 1ª Direcção do clube ainda sem nome, constituída pelo visconde de Alvalade (presidente), José Alvalade (vice-presidente), Frederico Seguro Ferreira (tesoureiro), José Gavazzo (primeiro-secretário, substituído por José Stromp logo que se ausentou para Paris) e Henrique Leite (segundo-secretário).

1 ano após a eleição da 1ª Direção – a 19 de Julho de 1907, os Estatutos foram apresentados à aprovação do Governo Civil de Lisboa em 3 exemplares de papel selado datilografado. Continham 38 artigos, divididos em capítulos. Eram já expressão da ânsia assumida dos fundadores em lançar as sementes dum clube “que se distinguisse dos outros quer no seu objetivo especificamente desportivo, quer na sua ambição de grandeza eclética, quer na sua preocupação seletiva dos membros que o haviam de compor”. O símbolo do leão foi inspirado no anel de D.Fernando de Castelo Branco.

O texto não engana e afasta liminarmente qualquer possibilidade de se tornar antro de jogo a dinheiro, que era coisa que, por esses dias dramáticos de crise, grassava um pouco por todo o lado, do povo à burguesia, do clero à aristocracia: “A comissão instaladora da associação de utilidade pública, de educação física e de beneficência a que por mera fantasia se dá o nome de Sporting Club de Portugal, para se distinguir de quaisquer outras, tendo apresentado a V. Exªs os seus estatutos e requerido o componente alvará de aprovação, requer que esse alvará lhe seja passado como associação de utilidade pública, de educação física e de beneficência, como realmente é, pois, embora nos estatutos se encontre a palavra jogos, não é porque ali se vá jogar as cartas, ou o bilhar, ou cousa semelhante, mas sim a que se procederá a exercícios físicos ao ar livre, no jardim ou quinta, e porque a diversos desses exercícios se chama jogos, como são os exercícios de esgrima, do ataque e defesa do pau, do futebol, de law-ténis, dos trapézios e argolas, de paralelas, de escadas, de saltos, etc.”
A 3ª pretensão, as linhas com que afinal se coseria o espírito elitista do clube de Alvalade, percebe-se bem da definição que se faz dele logo no artigo 1.º dos estatutos: “Sporting Club de Portugal é o título duma associação composta de indivíduos de ambos os sexos de boa sociedade e de conduta irrepreensível.” Ou seja: clube de “boa sociedade”, assumido sem complexos, sem reservas mentais. Apesar desse espírito, que, amiúde se confundiu (obviamente por parte de adeptos de outros clubes) como arrogância aristocrática ou mal disfarçada megalomania, o clube quis nascer com preocupações de beneficência, ponteado de um sentido católico de fazer o bem pelo bem, de tal modo que no artigo 4.º dos estatutos, que se julga terem sido escritos pelo visconde de Alvalade – emérito homem de leis, se preconizava que “quando as circunstâncias financeiras do clube o exijam; ou quando a Direção entenda necessário como meio de propaganda poder apresentar os seus exercícios em espetáculo público, sendo pelo menos metade do produto líquido em favor de alguma instituição de beneficência quando a entrada não for gratuita ou esse espetáculo organizado por qualquer outra associação desportiva”.

Os tempos andavam conturbados. Sabia-se que no Sporting havia uma fação monárquica assumida. José Alvalade tratou, de entrada, de separar a política e o desporto. Evangelismo ou caridade, sim. Política ou politiquice, não. Era preciso separar o trigo do joio e evitar envolvimentos, numa época em que o Rei D. Carlos tinha já a cabeça a prémio, a Carbonária misturava o ódio à Monarquia com a luta de classes, todos os dias eram dia de espera duma revolução que restaurasse a República. Por isso, estrategicamente, apesar de alguns dos seus fundadores serem monárquicos de estirpe e assumirem-no, os fundadores do Sporting colocaram nos seus estatutos, em jeito de ponto de honra: “As casas e terrenos do clube nunca, sob qualquer pretexto, poderão ser cedidos para comícios políticos ou outras reuniões que não sejam a apresentação dos exercícios a que o clube se destina”. E mais se determinava que: “Nas salas e dependências do clube ou em qualquer parte onde os sócios como tais se apresentem, é dos mesmos rigoroso dever o respeito pelas instituições vigentes, sendo-lhes expressamente proibido quaisquer discussões ou manifestações acerca da política militante”.

Só em 1947 o texto mudou. Até então, para se ser sócio, era preciso mostrar cadastro limpo.

Imagem: José Alvalade.

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