15 de Setembro de 1912. Disputou-se o 2º Porto-Lisboa, prova velocipédica mais importante do nosso país (na altura), já sob jurisdição da União Velocipedica Portuguesa. A 1ª edição não tinha tido um vencedor oficial (embora Charles George, um francês a correr pelo Lusitano, tenha chegado na frente) pois a prova fora mal organizada e os ciclistas haviam optado por diferentes trajetos, mas desta vez tudo correu “normalmente”.
Laranjeira Guerra do Sporting (em Premier), fez os 360km em 17h04m, tempo esplêndido para quem teve de passar por estradas intransitáveis com chuva e lama. Desde Espinho (1º controlo), Laranjeira Guerra foi sempre o líder isolado, tendo ganho todos os prémios de controlo seguintes. A chegada provável a Lisboa era às 16h, mas desde o meio-dia que no local da chegada, muito bem organizada, e onde havia cadeiras reservadas, se aglomerou muita gente, entre a qual muitas senhoras.
Pouco depois das 13h um automóvel anunciava que Laranjeira Guerra trazia uma subida magnífica na Calçada de Carriche. De ali a instantes um outro proclamava a chegada do forte “routier” ao Lumiar, onde da sede do Sporting lhe faziam a maior das carinhosas ovações. Às 13h49m o vencedor dava entrada na meta com inúmeros aplausos da multidão, “na melhor das disposições”. Já após o esforço e apeado da sua máquina exclamou: “Ao sair do Porto sentia-me em magnífica disposição e confiante no meu treino. Pensei imediatamente em fugir e assim o fiz, passando por Espinho já só. Dei algumas quedas porque a noite estava escuríssima e a bicicleta resvalava constantemente devido à muita lama na estrada. Entrei em Leiria com o guiador partido a meio. Não tendo encontrado o controlo fui procurar a casa onde dormia o delegado da União Velocipédica para assinar o controlo. Demorei-me mais de uma hora, e não conseguindo trocar o guiador servi-me duma bicicleta que me emprestaram. (ainda em Leiria, Laranjeira Guerra fez uma pausa para se alimentar numa casa de reconhecidos pitéus, para além de recorrer a um massajador que lhe sacudiu os músculos das pernas – isto por cima das ceroulas, peça de vestuário de que nunca prescindia). Perto de Malveira fui de encontro a um trem, parti a bicicleta e substituí-a pela do Sr. Alfredo Santos Junior, que naquela localidade esperava a passagem dos concorrentes”.
Da Malveira ao Campo Grande Laranjeira Guerra correu a uma média de 30km/h, tendo chegado fresco à meta, prova da sua bela forma. No final foi levado em ombros pelos mais entusiastas, que eram às centenas! O 2º classificado ficou a 1h43m e o 3º a 2h08m!
Foi tanto o entusiasmo popular que o vencedor teve direito a passear-se em cortejo pela cidade de Lisboa num automóvel de luxo. Como prémios pela vitória, Laranjeira Guerra ganhou uma medalha em ouro, um diploma de honra, uma bicicleta oferecida pela Casa Armando Crespo e 50$000 réis. O Ciclismo era, na altura, o desporto mais popular em Portugal. Para se ter uma ideia da realidade à época, refira-se que as bicicletas pesavam entre 14 e 18kg e os aros eram de madeira (chamavam-lhes pasteleiras).
nota – Obrigado a Eduardo Lopes pela colaboração